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De um octogenário para os velhos mais novos

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Há poucos dias completei 80 anos e me questionei: “por que é comum os coroas escreverem para os jovens deixando registrados exemplos e pretensas sabedorias?”. Então, decidi inovar e passar alguma experiência para os velhos como eu, que nunca são lembrados nos insossos livros de autoajuda. Os garotos com menos de 70 anos não gostam de conversar com os anciões porque ou julgam que os muito velhos não precisam aprender mais nada, ou então, maquiavelicamente, deixá-los mais desatualizados e vulneráveis, e então melhor controlá-los.Os idosos dizem, com muita propriedade, que a velhice é uma merda. Como resposta, invariavelmente escutam os jovens dizerem, como conforto, que a velhice pode não ser uma boa coisa, mas a outra opção é bem pior. Verdade, morrer deve ser bem pior do que envelhecer, mas isso é apenas uma grande suposição. Aos que acreditam em outra vida, morrer pode ser a oportunidade única e desejada para usufruir do ambiente celestial. Aos demais, após a morte serão pó e não terão como fazer a comparação. Fiquemos, pois, aceitando e ficando felizes com a grande suposição.No meu caso, a experiência vivenciada tem mostrado que viver a velhice pode ser muito bom, e só não é melhor por causa dos jovens. E por que eu afirmo isso? Porque os jovens são ditatoriais e querem nos fazer de crianças, certos de que estão nos fazendo bem. Ou, quem sabe, inconscientemente, vingando-se das ordens que, na infância, receberam de nós? Sei lá eu, apenas constato e registro.O que sei é que, se bobearmos, eles escolherão desde a nossa pasta de dentes até a nossa alimentação, proibirão nossas bebidas, determinarão a nossas horas de dormir e acordar. Vão nos impingir assistir séries no lugar de novelas, Paulo Coelho no lugar de Machado de Assis e Gabigol no de Pelé. Enfim, tudo aos gostos e critérios deles, em total desrespeito aos nossos desejos, experiências e agrados.Por isso é que nós, velhos, temos que aprender a sobreviver com os jovens, desenvolvendo técnicas para enganá-los, tirando deles as oportunidades de constatar nossas fragilidades e usá-las para nos dominarem.É comum e natural as pessoas esquecerem alguma coisa, como abrir um armário e, repentinamente, não lembrar o que foram buscar ali. Do mesmo modo, não recordar o nome de um colega do colégio, ou a idade de um filho. Ou o nome de um romance, mesmo que sejam capazes de contar detalhes da história ou repetir corretamente trechos inteiros. É natural, sim, mas é natural para os jovens. Aos velhos, esses esquecimentos fortuitos servem como diagnósticos cruéis e irrefutáveis de Alzheimer, ou qualquer outro tipo de senilidade. Por isso, eu sugiro aos colegas anciões que adotem a prática da dissimulação. Nunca, nem sob tortura, admitam que esqueceram alguma coisa.

Quando esquecerem aquela consulta médica agendada, digam que não registraram porque a assistente do doutor sempre confirma na véspera. “Desta vez ela não telefonou”, mintam com naturalidade. Culpem a moça, acusem os jovens de hoje que não têm a responsabilidade de antigamente. Façam valer a máxima de que a melhor defesa é o ataque, e culpem sempre os mais novos. Sem deixar de dizer, teatralmente, com uma mão na testa e ar de lamento “essa juventude!”Não precisam estar lembrados das datas dos aniversários dos parentes e amigos. Usem a tecnologia e deixem tudo no calendário do celular, com pelo menos dois avisos programados para cada data. É fácil de programar e surpreenderá os inimigos que acham que velho não pode dominar a tecnologia. Ah, importante, recebido o aviso eletrônico, não deixem para cumprimentar o aniversariante mais tarde; é perigosíssimo. Esquecimento na certa. Para não esquecer, telefonem imediatamente, e se o fizerem com muita antecedência, não titubeiem, e disfarcem dizendo que queriam cumprimentar o aniversariante antes dos outros.Jamais deixem as conversas tomarem rumos que descambem para a necessidade de dizer nomes de filmes, novelas, ou peças de teatro. Escalação de times de futebol, nomes de cantores, compositores ou músicas são armadilhas traiçoeiras. Atenção, pressentindo o perigo, mudem de assunto ou peçam licença pra beber um copo d’água. Enfim, os exemplos são muitos e as arapucas são inúmeras.Nas reuniões familiares, onde todos falam simultaneamente, nem percam tempo tentando opinar sobre qualquer assunto. Não adianta, não ouvirão o ancião por mais que ele seja querido ou respeitado. Fiquem quietos, caladinhos. Não se amofinem.Depois de algum tempo, alguma das mulheres presentes (sempre uma mulher!) se aproximará e suavemente perguntará se o velhinho está se sentindo bem, pois “está tão caladinho hoje”. Aí você dispara a falar sobre um assunto que foi debatido há mais de uma hora, e todos começarão a sorrir e dizer: “ele estava ligadão!”Outra coisa que merece atenção constante é o anúncio de intenções. Nunca falem sobre o que estão pensando em fazer. Sabem o que acontece quando, despreocupadamente, um velho diz:– Estou pensando em ir ao oculista.– Acho que estou engordando, vou diminuir os carboidratos.– Amanhã começarei a caminhar no calçadão.Sabem? Sabem mesmo? Bingo! O velho acabou de criar três compromissos concretos e inadiáveis. E todas as pessoas da casa, aquelas mais novas do que ele, se sentirão no direito de cobrar, diuturnamente, o cumprimento deles:O senhor mesmo disse, ou não disse?

Por: Alfeu ValençaEx-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/

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